Sábado, 4 de Outubro de 2008

Avaliação dos professores - Constantino Piçarra

 E, neste jogo de sombras democrático, a verdade surge sempre à superfície, o que neste caso se prende com a impossibilidade de regulamentar aquilo que não é possível de ser regulamentado.

 

No âmbito da sua acção, o Governo resolveu legislar sobre a avaliação do desempenho dos professores, o que fez nos termos do Decreto Regulamentar n.º 2 /2008 de 10 de Janeiro. Aqui definiu que a avaliação dos profissionais de ensino se devia desenvolver por quatro dimensões (ética profissional, ensino/aprendizagem, participação na escola e na comunidade e formação profissional) – ver art.º 4 – e que a estes mesmos profissionais competia, ainda, fixar objectivos individuais, em acordo entre avaliado e avaliadores, tendo por referência sete itens – ver nº 2 do art.º 9. Para além destes aspectos foi, por fim, determinada a escala qualitativa e respectiva correspondência quantitativa em que os professores deveriam ser avaliados (Excelente; Muito Bom; Bom; Regular e Insuficiente) – ver n.º 2 do art.º 21.

 

Feito isto, facilmente se constatou que este decreto regulamentar carecia de regulamentação para se tornar num verdadeiro instrumento de avaliação do desempenho. Assim, foi remetido para um denominado Conselho Cientifico para a Avaliação de Professores que fez a primeira regulamentação do decreto regulamentar, o que se traduziu na produção dum conjunto de fichas de avaliação onde se inscreveram um sem número de itens em que os professores deveriam ser avaliados (empenho nisto, participação naquilo, relação com aqueloutro). E nestes empenhos, participações e relações se integram dezenas de alíneas das ditas fichas de avaliação. Não é difícil imaginar uma reunião deste Conselho Cientifico de Regulamentação. Ora vai um e diz: "Avaliar o empenho do docente na relação com a comunidade é importante". Vai outro e refere: "E o empenho na redução do abandono escolar também é importante". E assim, de conversa em conversa, numa tarde ou num dia foi resolvida a questão, ou seja, foi feita a lista sobre o que devia ser avaliado no desempenho dos professores. Nada de substancialmente difícil de concretizar.

Qualquer professor minimamente atento ao seu trabalho poderia ter feito o mesmo com idêntico êxito. Só que o mais importante, o que dava efectivamente trabalho, ficava por regular – tornar esta listagem operacional em termos de avaliação dos professores. Nesta conformidade o Ministério da Educação resolveu entregar este terceiro nível de regulamentação às escolas atribuindo-lhe a tarefa de criar os indicadores de medida e os instrumentos de registo que permitissem fazer das fichas elaboradas centralmente reais instrumentos de avaliação – ver n.º 1 do art.º 34. Assim, e como todos percebem, a parte mais importante do processo legislativo referente à avaliação dos docentes recaiu sobre os ombros dos professores nas escolas. Não para definirem qualquer linha de rumo autónoma, não para tomarem qualquer decisão importante, mas tão só para regular o que não tinham decidido.

A situação que então se criou é algo de quase kafkiano. Os professores, que discordam de forma quase unânime do modelo de avaliação adoptado pelo Governo, são, justamente, os escolhidos para a realização da regulamentação de que depende a existência ou não de avaliação. E assim se chega à situação actual e que é a de termos os professores capturados para uma parceria legislativa que lhe está a violar as consciências e que é atentatória dos seus direitos, uma vez que os obriga a serem cúmplices, pela participação, naquilo em que discordam. Neste verdadeiro achado "democrático", o Ministério da Educação toma a decisão política traduzida num diploma legal – neste caso o Decreto Regulamentar n.º 2 / 2008 –, o que está certo, pois tem a legitimidade do voto para isso, e aos professores das escolas cabe a regulamentação em definitivo da lei, o que está errado, na medida em que estes, desta forma, são obrigados a ser solidários na prática com uma decisão política com a qual não concordam.

E neste jogo de sombras democrático, à medida que o tempo vai passando, a verdade, como não podia deixar de ser, surge sempre à superfície, o que neste caso se prende com a impossibilidade prática de regulamentar aquilo que não é possível de ser regulamentado. O primeiro que descobrir os indicadores e medida e os instrumentos de registo para o empenho e para a relação será, de certeza, uma pessoa, no mínimo, muito solicitada pelas nossas escolas. Assim, não admira que a paciência dos professores se esteja a esgotar. 

 In, Diário de Alentejo

publicado por Margarida às 22:29

link do post | comentar

.links

.Julho 2009

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.posts recentes

. Distribuição de serviço -...

. Critérios de correcção / ...

. ... e o que acontece a se...

. Transição ilícita para co...

. Hinos nos horários escola...

. Sobre a alegada cedência ...

. Professores titulares vão...

. E assim andamos...

. Concurso de professores 2...

. Acho que já estou de volt...

. Intimidação da DGRHE cheg...

. Escolas sem condições par...

. Posição contra a definiçã...

. INFÂNCIAS (IN)FELIZES

. Sindicatos avançam para t...

. Legislação sobre avaliaçã...

. Presidentes dos Conselhos...

. Efeitos colaterais do cas...

. NOVAS

. Pois é...

. Ao que chegamos...

. Objectivos Individuais Si...

. Objectivos Individuais / ...

. "Dezenas de milhares" vão...

. Nota à Imprensa do Grupo ...

. Recusa de avaliação alast...

. Sugestões... A força do s...

. Conclusões da Reunião (Pl...

. Avaliação Simplex e Objec...

. Para mais do mesmo ...

. Decretos Regulametares da...

. Os princípios ficam na g...

. FENPROF desvaloriza promu...

. Mesmo a tempo para que nã...

. Hinos nos Horários Escola...

. Crianças entre os 10 e os...

. Imagem do dia: 26 de Deze...

. 10 coisas para esquecer e...

. Reflexões: Eduardo Prado ...

. Hinos nos Horários Escola...

.tags

. 15 novembro(1)

. 1ºministro(2)

. 25 de abril(2)

. 8 novembro(5)

. acção social(1)

. acordo(3)

. alunos(4)

. avaliação de professores(92)

. avaliação externa(1)

. carreira(1)

. cidadania(11)

. colegas(1)

. colocação professores(3)

. comentários(2)

. concurso professores(7)

. concurso professores 2009(1)

. concurso titulares(6)

. conformidade cpd dúvida(1)

. conselho escolas(2)

. currículos(6)

. democracia(7)

. despachos(4)

. desporto escolar(1)

. dgrhe(3)

. distribuição de serviço(14)

. dúvida(2)

. ecd(1)

. educação(21)

. ensino superior(2)

. estatuto alunos(9)

. estatuto carreira docente(19)

. exames(1)

. exames 9ºano(1)

. fim de ano(1)

. gestão escolas(4)

. greve(3)

. greve alunos(2)

. hinos(27)

. homenagem(5)

. horário dos alunos(2)

. horários professores(8)

. ilegalidade ecd(8)

. imagens(1)

. indisciplina(7)

. inspecção(1)

. instrumentos de registo(8)

. internacional(1)

. magalhães(2)

. marcha lisboa(5)

. ministra(31)

. moção(4)

. movimentos(31)

. necessidades residuais(2)

. objectivos individuais(10)

. objectivos individuais simplex(1)

. opinião(8)

. organização ano lectivo(6)

. plano tecnológico(14)

. portefólio(2)

. processos disciplinares(1)

. protesto(41)

. provas aferição(2)

. providência cautelar(4)

. psd(1)

. reacção escolas(1)

. reflexões(1)

. relatório ocde(1)

. santana castilho(1)

. simplificação(2)

. sindicatos(39)

. sócrates(3)

. software horários(7)

. testemunhos(1)

. valores opinião(4)

. valter lemos(6)

. todas as tags

.sobre mim

.subscrever feeds

.arquivos

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Novembro 2007